Criada a partir de consultas com alunos, professores, educadores e acadêmicos e feita na medida para cumprir os requisitos da Base Nacional Comum Curricular: assim foi concebida a disciplina eletiva de Cidadania Digital, disponível para educadores do ensino médio de todo o país aplicarem com os estudantes a partir de 2023 e que poderá ser ministrada por professores de qualquer disciplina.
A eletiva foi o resultado de uma colaboração entre os governos do Brasil e do Reino Unido, apoiada pela Safernet, organização não-governamental brasileira, especializada em Educação e Direitos Humanos na internet. A disciplina possui 40 horas de aulas e materiais de apoio sobre temas de segurança digital, relações online seguras, bem-estar online e saúde emocional.
Protótipos da disciplina eletiva já foram testados, com sucesso, no segundo semestre de 2022, por professores da Bahia, Pernambuco e do Distrito Federal.
A eletiva tem 40 horas/aula e é dividida em 5 módulos :
Módulo 1: Bem-Estar e Saúde Emocional Online
Módulo 2: Segurança e Privacidade na Internet
Módulo 3: Respeito e Empatia nas Redes
Módulo 4: Relacionamentos Seguros Online
Módulo 5: Cidadania Digital para Todos
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A Safernet conversou com a educadora Julci Rocha, diretora e fundadora da Redesenho Educacional, doutoranda em Tecnologias da Inteligência e Design Digital e mestre em educação (PUC/SP), especialista em design educacional pela Universidade Federal de Juiz de Fora e pesquisadora de inovações em educação.
A educadora e a Safernet colaboraram durante todo o ano de 2022 na elaboração do caderno da disciplina eletiva. O processo incluiu conversas com educadores e estudantes da Bahia, Pernambuco e Distrito Federal, onde protótipos da eletiva foram testados e o material final está disponível para todos os educadores das redes.
“No processo, ouvimos professores e estudantes de ambos os gêneros, de áreas rurais e urbanas, e de diferentes raças, para que a gente pudesse ter o máximo de diversidade possível. Também participamos como relatores dos encontros com especialistas no tema, consultando documentos já existentes a respeito e cruzando com experiências do Reino Unido [país que financiou o projeto] e do Brasil. O projeto também ouviu os desafios e as preocupações dos professores e dos estudantes e pesquisou ainda o que as próprias redes de ensino já estavam pensando a respeito desse tema no ensino médio”, contou a educadora sobre a fase inicial da elaboração da eletiva.
Durante a escuta de alunos e professores apareceu a preocupação com os riscos da internet, “Os professores também mostraram temores com relação a sua proficiência com relação a tecnologias e à cultura digital”, lembra Julci Rocha. Outra questão que surgiu foi sobre como envolver a família no tema. “Muitos dos professores são pais e reconhecem que as famílias têm dificuldade de acompanhar, de orientar os estudantes com relação aos riscos da internet e tudo isso advém da falta de conhecimento”, completa a educadora.
Uma das competências que a Base Nacional Comum Curricular do Ensino Médio (BNCC) exige do estudante é o domínio da cultura digital. Em novembro a BNCC foi complementada por um parecer sobre computação. O documento aponta o que cada estudante, em cada etapa de ensino, deve saber sobre computação. “Esse parecer traz o conceito de cultura digital, cidadania digital, que é o tema da nossa eletiva, que surge justamente para atender essa demanda”, afirma a educadora.
Segundo a educadora, a disciplina eletiva ajudará os professores e alunos não só em relação aos temas tratados, mas em tudo que se aprende no ensino médio. “Os professores terão de entender a cultura digital e a cidadania digital não como uma eletiva, mas como parte fundamental do currículo do ensino médio. Embora ela seja uma eletiva, está totalmente conectada com o que se aprende nessa fase da vida. Quando você trabalha, por exemplo, sobre como se portar dentro das redes, o aluno precisará desse conhecimento para fazer qualquer outra coisa que envolva tecnologia. Por sua vez, o aluno deve ser capaz de produzir conhecimento com a tecnologia e na eletiva ele fará isso o tempo todo”, afirma Julci Rocha.
Uma boa notícia, é que professores de qualquer área poderão ministrar a eletiva, pois a disciplina não exige conhecimentos prévios. “Qualquer professor que reconheça esse tema como importante pode trabalhá-lo em sala de aula. Todo o material foi concebido para deixar para o professor tudo aquilo que ele precisa para conduzir a aula”, explica Julci Rocha.
O material com o qual trabalharão os professores é um plano de aula estendido que propõe um trabalho com metodologias ativas, centradas no estudante. “O professor poderá olhar para aquela proposta e adaptar aqueles materiais para a realidade dele. Ao analisar a aula proposta, ele vai adequando as estratégias à sua realidade. Há material pronto para trabalhar o semestre inteiro ou até por um ano conforme o profissional de ensino achar melhor”, afirma a educadora.
Para Julci Rocha, escola, professores e alunos ganham ao aplicar a disciplina eletiva. “As questões trazidas na eletiva são situações muito reais que os alunos levam para a sala de aula. Temas de segurança, de privacidade, prevenção da violência sexual, questões relacionadas à sua intimidade, a identificação e o combate ao discurso de ódio, estereótipos, cyberbullying. Isso faz parte do dia a dia das escolas e isso impacta na convivência dos estudantes. A eletiva aborda ainda o uso excessivo de jogos, a questão relacionada à autoimagem, bem estar, como o aluno gasta o seu tempo na internet”, afirma.
A eletiva prevê que o aluno pode tornar-se um multiplicador do conhecimento obtido em sala de aula. “As atividades propostas envolvem a produção de material que possa educar outras pessoas com as quais o estudante convive. O conceito é que não existe vida digital e vida real separadas. Há somente uma vida e seus desafios”, diz Julci Rocha.
A participação dos estudantes na elaboração da eletiva mostrou que eles reconheceram haver uso e posturas inadequadas na internet, como o bullying e o discurso de ódio. A disciplina não traz apenas informações técnicas e faz com que ele lide com situações com as quais poderá se deparar no dia-a-dia, como a criação de contranarrativas ao discurso de ódio. “Ele está usando a tecnologia e vai aprender como faz, mas de acordo com o recurso escolhido para o público-alvo que ele vai querer atingir. O uso de tecnologias jamais será descontextualizado”, afirma a educadora.
O material didático da eletiva poderá ser usado de forma combinada com outros materiais sobre cidadania digital que já tenham sido elaborados pela escola ou rede de ensino. Contudo, a Safernet e a Redesenho Educacional analisaram as ementas disciplinares das redes estaduais para que a eletiva fosse condizente com o que já existia previamente. “O professor pode ver o que a rede dele tem a respeito e complementar com o material, porque as aulas são independentes. E o professor pode ainda compor com algum material que já exista ou com alguma experiência que a escola já tenha vivido”, afirma a educadora.
O material didático da eletiva é fácil de adaptar, mesmo em escolas onde o uso de tecnologias ou a infraestrutura de internet seja precária. “Dá para aplicar a eletiva com pouca ou nenhuma conectividade”, conclui Julci Rocha.
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